sexta-feira, 22 de maio de 2009

Rua íngreme



São rodas. Nasci com rodas no lugar dos pés. E a vida, uma rua íngreme que tento subir, não espera que eu chegue lá ao topo.
Não saio do sítio, corro como um desalmado e fico ali, imóvel. Mudam-se-me as roupas, gastam-se as casas, erguem-se novos edifícios.
Vejo, lá no fundo, miúdos a dobrarem a esquina. Sei a história daquele museu, da galeria e do estádio de futebol. Aquela biblioteca tem como emprestado o nome do dono do edifício. Enquanto aquilo não passava de uma mansão.
Aquela menina ali que leva o filho pela mão é da minha geração. O rapaz que chega no carro costumava jogar a bola ali no parque, com os outros miúdos.
A mim, mudaram os tecidos que me envolvem, aumentou o cumprimento da minha sombra. Mudaram-se os sonhos e as esperanças. Mudou-se tudo. Mas, mesmo assim, permaneço imutável. Perspectivei tudo. Sei onde erraram os outros. Sei o que deviam mudar. Conheço os seus defeitos e qualidades.
Sei tudo de todos devido ao tempo que tenho para observar. Mas então, quem sou eu? Já caí, já tropecei em obstáculos que rolam rua abaixo, já me empurraram e já me ajudaram a levantar. Já fui contra pessoas ao fazer um sprint de olhos fechados. Já conheci imensas personagens. Fiz amigos. Alguns, muito bons. Há quem se dê ao trabalho de vir ter comigo ao fundo da rua e ajudar-me a subir um pouco. Vitória!! Já não estou no mesmo lugar! Passado um tempo, lá escorrego.
E vivo assim. Sem sair do lugar e à espera que a vida, esta rua chata, mude. Ou que alguém a torne plana. Tenho um conhecimento do que me rodeia quase absurdo. Uma capacidade de análise comportamental fora do normal para uma pessoa que não é especializada na área. Sei dizer-te quem és. Mas não te sei dizer qual de mim sou eu.
Agora estou sentado, cansei-me de tentar subir.
Tento mais tarde, quando der de novo vontade.